O desafio da Economia da felicidade
Adauto Brasilino Rocha Junior- Engº Agrônomo e Mestrando em Economia.

            Conforme detalhado por Espiridião et al.(2008), a ciência têm percebido que os estados mentais se expressam fisicamente através da ativação de áreas específicas do sistema nervoso associada à ação de hormônios que banham o nosso corpo. Serotonina, hipocretina, noradrenalina, dopamina, entre outros peptídeos, têm se destacado como os principais responsáveis pelas sensações de felicidade, euforia, tristeza, depressão, entre outros estados da psique, dependendo do balanço em que se encontram em nosso corpo regulando a atividade de nossos neurônios. As descobertas não param por aí, recentemente, a dimetiltriptamina (N,N-dimetiltriptamina), um alucinógeno enteógeno produzido na glândula pineal¹, têm sido indicada como possível origem das experiências místicas e religiosas. O mais interessante nesse cenário é que estamos chegando ao um ponto em que a racionalidade tende a desvendar o intangível, e a religiosidade e a psicologia caminham para 2 rumos:  a extinção - cedendo seus campos para a neuroquímica e a psiquiatria;-  ou para a fusão com essas ciências, consolidando sua credibilidade como instrumentos de aperfeiçoamento e exploração dos mistérios do pensamento.
            Esse contexto torna-se ainda mais interessante quando pensamos sobre a economia. A ciência da previsão! Predominantemente ortodoxa e várias vezes utópica, pois apesar da possibilidade de realizar inferências sobre o futuro desvendando cadeias causais que regem os acontecimentos sócio econômicos, as limitações metodológicas impedem a criação de modelos mentais que sejam sempre fiéis a realidade. Discorrendo sobre a relação de causalidade em sua obra prima “Tratado da Natureza Humana”, o filósofo escocês empirista David Hume (1740/2009) afirma que a inferência da relação causal entre dois eventos observados só terá validade para eventos futuros que forem semelhantes aos já observados, e estará condicionada à uniformidade da natureza que os envolve. Disso decorre que, pelo fato dos modelos econômicos serem simplificados, para que acertem suas previsões é necessário que haja certa estabilidade nas condições que regem o funcionamento do sistema estudado. A questão é que nada garante a estabilidade em modelos sócio econômicos, os quais apresentam dinâmica complexa, e consequentemente são imprevisíveis.
            Os dois parágrafos anteriores geram a ilusão de um certo antagonismo, mas é exatamente aí que pretendo chegar: Economia, sentimentos, e emoções, apresentam íntima relação quando observamos a realidade, e na tentativa de aperfeiçoar a abordagem econômica, considerando esse aspecto,  surgiu a economia comportamental. O desafio dessa vertente é identificar, através de métodos interdisciplinares, padrões e vieses que caracterizam o comportamento humano, permitindo aperfeiçoar os pressupostos já estabelecidos, e consequentemente, os modelos econômicos.
            Nesse momento vamos nos ater a uma das sub áreas da economia comportamental: a economia da felicidade. Segundo Santos (2015), na psicologia, a felicidade é tratada como uma dimensão subjetiva do bem estar, porém o autor ressalta que o único consenso entre quem estuda a felicidade é a dificuldade em definir este conceito. Segundo Frey & Stutzer (2002), essa dificuldade se deve ao fato de a felicidade ser um conceito bastante elusivo, fazendo pouco sentido continuar a tentar defini-lo. O que interessa, no entanto, é que a felicidade é um estado de psique caracterizado pela sensação de bem estar, associado a um estado fisiológico, oriundo de estímulos ambientais.  Justamente a avaliação dos estímulos ambientais que afetam o bem estar da população, mais especificamente os estímulos econômicos e aqueles oriundos da ação gestora do governo, que constitui o objeto de estudo da economia da felicidade. A economia da felicidade é, assim, a economia que visa avaliar os estímulos ambientais, de forma a auxiliar na elaboração de políticas públicas que propiciem bem estar à população.
            O discurso é atraente, porém por consequência o desafio é enorme.  Surge, além disso, uma questão difícil de ser respondida: Felicidade decorre da posse de capital? Especialistas afirmam que, a partir de um determinado nível de renda necessário para suprir as necessidades básicas de consumo, não existe correlação positiva entre renda e felicidade. No artigo intitulado “Does economic growth improve the  human  lot?  Some  empirical  evidence”, o economista Easterlin (1974) cruzou dados oriundos de estudos de felicidade em 14 países com dados econômicos, e questionou a premissa de que o crescimento econômico obrigatoriamente está associado positivamente com a riqueza social (ou felicidade humana). Assim, Easterlin (1974) deparou-se com evidências contrárias à essa crença, pois observou que dentro dos países, havia uma correlação positiva entre a renda dos indivíduos e o bem estar subjetivo. Porém, entre países com variados níveis de renda, a avaliação pessoal de felicidade encontrava-se entre uma faixa de 0,5 abaixo e 0,5 acima de 5, em uma escala de auto avaliação de 0 a 10. O autor justificou que isso ocorre porque as normas de consumo estabelecidas pela sociedade é que regem a saciedade dos consumidores, sendo que essas normas dependem diretamente do desenvolvimento econômico do país, ideia proposta por Cantril (1965). Consequentemente, conforme um país se desenvolve e aumenta seu nível de renda, os indivíduos se tornam mais exigentes, o que compensa o efeito do aumento de renda sobre seu nível de bem estar. Essa aparente contradição ficou conhecida como ”Paradoxo de Easterlin”.
            Um exemplo que ilustra bem esse efeito é o caso de Ladakh, um reino cujo território original está divido entre a Índia, o Paquistão e o Aksai Chin (distrito conquistado pela China após a Guerra Sino-Indiana de 1962). Ladakh apresentava uma economia baseada principalmente na agricultura familiar, fechada ao comércio e à cultura externa, e sua população era satisfeita com o padrão de consumo que possuía. Porém, com o processo de globalização, o reino abriu seu comércio, e a importação de bens produzidos em escala industrial trouxe consequências negativas, pois estes chegaram a um preço mais acessível que os produtos locais, roubando seu mercado, e pior do que isso: associada aos produtos foi importada a cultura consumista do ocidente. O choque cultural resultante desse processo resultou em um descontentamento com os padrões de consumo local, reduzindo o nível de bem estar subjetivo, e aumentando o nível de depressão entre a população.
            Percebe-se que uma análise econômica mais aprofundada na linha da Economia da Felicidade demanda a consideração de aspectos históricos, culturais, e principalmente institucionais, uma vez que estes aspectos contextualizam cenários particulares originando fatores ambientais que correlacionam-se de forma não linear com o nível de felicidade dos indivíduos. Santos (2015) cita autores que trabalharam com formas alternativas de medir o bem estar, como Scitovsky (1976a, 1976b), Ng (1978) e Layard (1980).  Através desses estudos, surgiram evidencias que: permitiram questionar a ideia de que as pessoas agem racionalmente maximizando seu nível de utilidade e buscando a saciedade (pois se deve considerar que esse comportamento não é visível em situações em que não há escassez de renda); indicam que os consumidores alcançam estados de saciedade intermitentes (considerando que não podem satisfazer todas suas necessidades de uma única vez); indicam a existência de um trade-off entre conforto e prazer; entre outros.
            Assim, o estudo da felicidade na economia não se limita apenas à identificação de relações empíricas com variáveis econômicas, mas exige também a investigação de como essas variáveis podem condicionar diferentes estados de bem estar em diferentes contextos institucionais. Desse modo constroem-se estudos econômicos melhor elaborados, desde que haja um esforço interdisciplinar para além de reunir informações de diferentes áreas de conhecimento, estudar as relações de causalidade existentes entre elas. Somente dessa forma a Economia pode fornecer subsídios para que o governo atue de forma compatível com o princípio da utilidade, o que ocorre segundo o pensador iluminista Bentham (1789/1988), quando a tendência do governo para aumentar a felicidade da sociedade é predominante sobre sua tendência para diminuí-la.

                                                        REFERÊNCIAS          

BENTHAM, J. The principles of moral and and legislation. Amherst: Prometheus Books (obra original publicada em 1789).1988.
CANTRIL, H. The pattern of human concerns. New Brunswick: Ruttgers University Press.1965
DE SOUZA, P. A. Alcaloides e o chá de ayahuasca: uma correlação dos “estados alterados da consciência” induzido por alucinógenos. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v. 13, n. 3, p. 349-358, 2011.
EASTERLIN, R. Does economic growth improve the human lot? Some empirical evidence. In R. Easterlin (Ed.), Happiness in Economics, 2002 ed., pp. 5-41. Cheltenham: Edward Elgar. 1974.
ESPERIDIÃO, A.V.; COLOMBO, M. M.; MONTEVERDE, D. T.; MARTINS, G. M; FERNANDES, J. J.; ASSIS, M. B. D.; & BATISTA, R. S. Neurobiology of the emotions.Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), v. 35, n. 2, p. 55-65, 2008.
FREY, B., & STUTZER, A. What can economists learn form happiness research? Journal of Economic Literature, 40(2), pp. 402-435. 2002.
HUME, D. Tratado da natureza humana. Edição original de 1740 traduzida por Déborah Danowski. 2ª Ed. Revista e ampliada. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
LAYARD, R. Human satisfactions and public policy. Economic Journal, 90(360), pp. 737-750. 1980.
NG, Y. K. Economic growth and social welfare - Need for a complete study of happiness. Kyklos, 32(4), pp. 575-587. 1978.
SANTOS, A. S. Economia da felicidade: Determinantes da felicidade e a influência das dimensões socioculturais. Um estudo multicultural. Lisboa, Março de 2015.
SCITOVSKY, T. Income and happiness. Acta Oeconomica, 15(1), pp. 45-53. 1976.
SCITOVSKY, T. The joyless economy: The psychology of human satisfaction (1992 ed.). New York: Oxford University Press. 1976.




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