Contribuições da economia comportamental à Economia da Educação

Gustavo Dantas
Mestrado em Ciências econômicas pela UFV

Por todos os lados ouve-se dizer que a educação de um povo é uma das melhores ferramentas para o desenvolvimento econômico sustentável de uma nação. Tal constatação é tratada como consensual para a população em geral. Mas afinal de contas, qual o mecanismo de propagação dos ganhos da educação sobre uma economia? E mais, qual contribuição a economia comportamental tem a nos dar acerca da temática? Estes são os principais questionamentos que me proponho a tentar elucidar neste pequeno artigo de estreia.
Comecemos, portanto, dos primórdios. A primeira teoria que se propôs a tratar a educação como fator endógeno ao progresso econômico foi a teoria do Capital Humano. Seus precursores, Jacob Mincer (1958), Theodore Schultz (1961) e Gary Becker (1962), inovaram a teoria econômica ao considerarem a educação como decisão de investimento, dando um caráter de capital à educação. Indivíduos dotados de racionalidade plena decidem por demandar mais educação ou não ponderando entre os custos presentes (tanto diretos quanto de oportunidade) e os rendimentos futuros que maiores níveis educacionais podem proporcionar. Portanto, trata-se de um problema de maximização, em que o indivíduo decidirá pela opção que lhe trará um maior nível de utilidade.
Porém, quais fatores que afetam diretamente na tomada de decisão individual de se demandar mais educação? O primeiro candidato a responder esta pergunta seriam as habilidades inatas do indivíduo. Indivíduos mais inteligentes e mais aptos teriam menores custos de incorrer com mais anos de estudo. O segundo grupo de fatores é o relacionado ao family background. Indivíduos advindos de famílias com melhores condições socioeconômicas que já possuem um capital humano previamente acumulado tendem a ter um menor custo marginal a cada ano de estudo a mais demandado. Fatores como renda, número de filhos, escolaridade (principalmente a da mãe) já foram amplamente estudados e testados empiricamente, sendo extremamente significantes para explicar a demanda por educação e os rendimentos acadêmicos.
Outro conjunto de fatores são as condições macroeconômicas e de mercado, uma vez que alteram os salários e a oferta de emprego no curto prazo, alterando as decisões individuais entre trabalho e estudo.
Vimos, portanto, que a tomada de decisão é realizada de forma racional, em que o indivíduo pondera seus possíveis custos e benefícios da educação. Porém, será que é razoável pensar que os indivíduos são realmente dotados de tal capacidade? É ai que os insights da economia comportamental são úteis, ao proporem formas mais realistas de se estudar os processos decisórios dos agentes, incorporando a possibilidade de haver desvios nas preferências em relação ao tempo, sejam eles devido às questões cognitivas ou devido à arquitetura cerebral, podendo levar a resultados subótimos.
O elemento central aqui é que o desenvolvimento cerebral dos indivíduos, principalmente dos jovens, bem como o contexto em que os mesmos estão inseridos são fundamentais para explicarem os resultados educacionais bem como a tomada de decisão dos jovens, podendo levar a resultados ineficientes. Partindo deste pressuposto, podemos enumerar, segundo Lavecchia et al (2014) alguns fatores psicológicos e circunstanciais que impediriam pais e filhos que tomarem decisões ótimas acerca do trajeto educacional a ser traçado.
O primeiro motivo que impede a tomada de decisão ótima consiste no fato dos alunos preferirem o presente em detrimento do futuro. Podemos compreender melhor tal pressuposto ao utilizarmos o framework proposto por Kahneman (2011) em que os indivíduos possuem duas formas de estruturar suas decisões, que são divididas em dois sistemas. O sistema 1 é responsável pelas decisões rápidas que não passam por um crivo lógico robusto, ou seja, são aquelas decisões tomadas pelas emoções. Já o sistema 2 é responsável por aquelas decisões que ponderam custos e benefícios, sendo portanto, mais racional. Podemos então concluir, que a tomada de decisão dos jovens é liderada pelo sistema 1, levando à resultados míopes em relação ao futuro. Isso pode ser observado quando alunos não realizam dever de casa e preferem sair com os amigos. O dever de casa é fator fundamental no desempenho escolar, o que poderia aumentar os rendimentos futuros do indivíduo, porém, o fato deste aumento no rendimento futuro estar diluído no tempo, o indivíduo se torna incapaz de compreendê-lo em sua totalidade, preferindo, portanto, opções de curto prazo, como sair com os amigos.
O segundo fator que impede a tomada de decisão ótima dos jovens no que diz respeito à educação é a dificuldade de romper com rotinas. Ao terminarem o ensino médio, indivíduos que não conseguirem modificar suas rotinas, provavelmente ficarão sem estudo e sem trabalho. Isto porque frequentar a faculdade requer uma mudança de padrões de estudo, tempo e dedicação, mudando completamente a rotina do estudante. Aqueles que apresentam maiores dificuldades adaptativas provavelmente irão tomar decisões subótimas em relação à trajetória educacional.
Outra implicação de se seguir padrões e rotinas é que novas informações podem não ser processadas devidamente, mesmo quando elas parecem facilmente acessíveis. Isto porque o processo cognitivo do sistema 1 implica em acessibilidade imediata das informações. Como resultado deste pensamento automático, indivíduos podem nem perceber que eles deveriam buscar novas informações, mesmo elas tendo baixo custo de acesso, levando novamente à decisões não ótimas.
A necessidade de humana de se organizar em grupos sociais também pode ser fundamental na definição da trajetória educacional de um aluno. Isto porque existe um ganho social no comportamento em grupo, que pode superar o ganho individual de se dedicar aos estudos. Por exemplo, indivíduos que estão inseridos em grupos de amigos que dão mais importância à diversão, irão se sentir pressionados a fazerem o mesmo, preferindo o prazer de curto prazo (sistema 1) ao benefícios futuros que a dedicação aos estudos poderia trazer. Portanto, o foco em identidades negativas por parte dos jovens pode aumentar a preferência pelo presente em detrimento ao futuro.
Propor novas formas de pensar a tomada de decisão humana é fundamental para a teoria econômica, e no campo da educação não é diferente. Percebe-se, portanto, que a teoria do Capital Humano tem muito a se beneficiar com os novos insights propostos pela EC, mesmo que estes ainda sejam incipientes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Schultz, T. W. (1961). Investment in human capital. The American economic review, 1-17.
Mincer, J. (1958). Investment in human capital and personal income distribution. The journal of political economy, 281-302.
Becker, G. S. (1962). Investment in human capital: A theoretical analysis. The journal of political economy, 9-49.
Lavecchia, A. M., Liu, H., & Oreopoulos, P. (2014). Behavioral economics of education: Progress and possibilities (No. w20609). National Bureau of Economic Research.
Kahneman, D. (2011). Thinking, fast and slow. Macmillan.


Comentários

  1. Gustavo,

    Cara gostei muito do seu texto e espero que seja realmente o primeiro de outros. Estou no último ano da graduação em economia e irei trabalhar esse tema na minha monografia. Usarei insights da EC para formulação de políticas educacionais.

    Obrigado.

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