Por que não
ensinaram o governo a gastar?
Políticas
públicas e Economia Comportamental: um exercício para repensar o gasto público
Lauro
Marques Vicari
Estudante
de Ciências Econômicas pela
Universidade
Federal de Viçosa
Membro
da Liga Acadêmica Newton Paulo
Certa
vez, em tempo livre, deparei-me com um vídeo engraçado (1). Tratava-se de uma
pequena área com grama, uma estaca, uma corda e um cortador de grama. O dono do
local, movido por profunda aversão a gastos ou até mesmo por aquelas grandes
preguiças cotidianas, cravou ao solo a estaca, amarrou-lhe uma ponta da corda
firmemente, conectando a outra ao cortador. O resultado? Ao acionar o
equipamento, este percorreu o campo exercendo seu trabalho até a corda enrolar
totalmente cortando toda a grama do resultante círculo. Depois de assistir o
vídeo algumas vezes, movido pela típica graça do entretenimento, calei-me
diante de uma questão fundamental.
Em
outro episódio de hora vaga, e este se faz mais frequente, vi em uma rede social
a seguinte imagem:
Ao contrário do que aconteceu com o
vídeo, a imagem me gerou certa revolta. Enquanto estudante de economia em meio
a uma rápida conversa com amigos de curso, pontuei-me fora da curva em relação
aos demais: ao passo que me inclinava a concordar com a função intrínseca do
economista de economizar, meus amigos reforçavam o absurdo de tal sentença.
Foi então nas aulas de macroeconomia que
encontrei um argumento para minha posição na qual a famosa equação da renda
nacional [Y = C + I + G + (X – M)]
inspirou-me a pensar no ato de economizar. Para aqueles não familiarizados,
esta equação determina que a renda de um país (Y) em valores monetários para um determinado período de tempo é
distribuída pela ação de cada agente: famílias (C), empresas (I),
governo (G) e setor externo (X - M). Quando olhamos para o consumo
privado (C) uma simples busca à
nossa carteira já elucida o fato de que se gastamos mais do que ganhamos e isto
representar um comportamento sistemático, nosso fim não será nada bom. No mesmo
sentido, a falência chegará para as empresas (I) se estas tiverem um aumento acentuado de seus custos em relação
à sua receita. Por sua vez, o comércio mundial (X – M) também está vulnerável: um país que importa muito (M) e exporta muito pouco (X) certamente terá um colapso em suas
contas externas. Mas e o tal do G?
Bom, com o G a história é outra. O
governo possui mecanismos próprios e compulsórios, garantidos por suas
instituições, para sobreviver um tempo maior ao endividamento que todos os
outros agentes econômicos e assim postergar a bancarrota. Ele pode recorrer à
criação de mais impostos, à emissão de títulos e em eras de menor maturidade, à
inflação. Longe de levar este texto a qualquer discussão ideológica, o
exercício começa a entrar em sua reta final.
O que pude extrair dos estudos e, em
contato com minha revolta diante da discordância geral de que a função do
economista é economizar, formular como argumento? O simples fato de que se o
consumidor quiser continuar consumindo por toda a vida ele precisa ter sua
renda maior que seus gastos; que se as empresas quiserem ficar de pé, sua
receita deverá ser maior que seus custos e que se o país quiser continuar
importando produtos de forma sustentável, terá que oferecer ao menos, um pouco
mais do que pega para si. Esta não é uma apologia à parcimônia, mas sim, a
resolução de um problema simples de aritmética: existe um patamar de gastos que
nos permite a sustentabilidade. Mas novamente, e espero que não percam a
paciência, alguém pode perguntar: “E o governo? Onde você está querendo
chegar?” Este é o momento propício para colocar os ingredientes no caldeirão.
Toda a história do cortador de grama, da
imagem revoltante e da aula de macroeconomia serve para justificar a posição de
que o economista, no final das contas deve ser sim alguém que “passa quatro
anos [ou mais] na faculdade aprendendo a guardar dinheiro no fim do mês”. Ao
olharmos para a carteira devemos economizar, ao trabalharmos em uma empresa
devemos economizar, ao pensar no comércio internacional deve-se “economizar”
(obter superávits). O que o dono do cortador de grama está fazendo?
Economizando. É esta a questão fundamental (do vídeo) e é esse o motivo da
revolta (com a imagem). O governo, por sua vez, não possui – por diversos motivos
– a habilidade de economizar. Mas oras, por que não ensinaram o governo a
gastar? A pergunta não precisa de resposta, mas se começarmos a respondê-la
será de grande valia.
Linhas distantes do título, tratarei
pela primeira vez dos termos que o contém e tudo se tornará mais claro. Todos
sabem que o gasto com políticas públicas (saúde, educação, assistência social,
etc) é rubrica certeira nos orçamentos anuais dos governos; e que a efetividade
e o bom senso na alocação do dinheiro dos contribuintes é função de uma
burocracia eficiente (2). Tomando como fixos os outros gastos e destinos que as
cifras públicas encontram, provavelmente teríamos bastante sucesso se os policy makers (formuladores de políticas
públicas) pensassem como o dono do cortador de grama, aliando a sadia
inteligência à economia de recursos. Novamente, a figura do economista avarento
se materializa e a Presidência, a Fazenda e o Planejamento, e diversas
autoridades responsáveis pelas diretrizes econômicas poderiam se ver sugestionadas
a otimizar o uso dos recursos, podendo – grosso modo – “guardar {não em seus
bolsos} [nosso] dinheiro no fim do mês”.
É neste momento, portanto, que falando
em inteligência e economia, chegamos ao ponto da discussão. E se o
gerenciamento dos gastos do governo (G)
passasse (literalmente) pelo crivo do cortador? Não falo aqui dos mecanismos
tradicionais da ciência econômica e da administração pública, mas sim, de um
valioso e recente aparato: as ciências comportamentais.
A economia comportamental representa,
neste caso, um instrumento moderno e eficiente para auxiliar na melhor alocação
e geração de recursos, além de novos canais de poupança para o setor público.
Dedicando-se a estudar o ser humano, esta ciência rompe o universo tradicional
da economia e coloca de lado a confiança e a racionalidade que os economistas
neoclássicos depositaram no homem. Surge então, um caminho inovador, que aceita
a emoção, o hábito, as dificuldades em ponderar e escolher como características
inerentes ao processo de decisão das pessoas. Assim, a E.C pode ser utilizada
para modelar, de forma realista, a tomada de decisão do agente.
Em contato com as políticas públicas, os
economistas comportamentais acreditam que este assunto não tem sido estudado da
maneira ideal. Nick Charter, professor de ciências comportamentais na
Universidade de Warmick (Reino Unido) avalia como negativa a atitude do governo
de ignorar o comportamento humano ao elaborar suas políticas e propõe a
substituição do modelo de ator racional - aquele que se adapta instantaneamente
e racionalmente à mudança - pela aceitação de que somos passíveis de erros,
enganos e más interpretações. Neste sentido, uma adaptação a esta nova visão
poderia incentivar o serviço público a estudar ferramentas capazes de auxiliar
os cidadãos na realização de melhores escolhas, como o melhor aproveitamento de
benefícios sociais, técnicas mais sofisticadas de regulamentação dos setores de
serviços, alterações em padrões de comportamento coletivo, etc.
Qual seria, portanto, a grande contribuição
da econômica comportamental para as políticas públicas senão a possibilidade de
capacitar o governo a poupar nosso suado dinheiro? Enfatizo a questão da
poupança, não pelo ato de guardar dinheiro, mas pelo ganho de eficiência
derivado desta condição: melhor alocação de verbas em um setor gera poupança de
recursos que podem ser aplicados em outros setores. É com esta mentalidade que
John Holdren, assessor do presidente Obama em questões de ciência e tecnologia
e tomado como uma das maiores cabeças em políticas desta ordem aponta no
Relatório Anual de 2015 do Social and Behavioral Sciences Team (SBST) para a
alavanca que as ciências comportamentais representa na geração de menores
custos para a administração pública americana (3). Segundo Holdren, “um forte
corpo de evidências demonstra que os insights
encontrados nas pesquisas sobre comportamento, quando incorporados no desenho
de programas e políticas governamentais tem melhorado significativamente a vida
dos americanos, seja aumentando a poupança de aposentadoria em todo o país ou
ajudando mais estudantes de baixa renda a ingressar na faculdade a cada ano.”
Como se pode notar, alguns esforços
comportamentais já começaram a ser empregados na execução de programas e
políticas. O Reino Unido, pioneiro nesta questão, conta com o Behavioural
Insights Team (BIT), uma companhia pertencente ao governo, dedicada à aplicação
das ciências comportamentais no melhoramento do processo de escolha e na
simplificação e economia de recursos nos serviços públicos (4). No mesmo
sentido, os Estados Unidos também contam com o já citado aparato, através do
Social and Behavioral Science Team (SBST) que contribuiu no ano de 2015 para
melhorar programas de aposentadoria, matrícula em universidades, a tomada de
empréstimos na agricultura, programas de saúde, entre outros.
Mas se você, assim como eu, tem aquele
pé atrás com as decisões do governo, pode estar esbravejando: “Você está
querendo nos vender um peixe podre. Se eu não estou sendo capaz de me
compreender, por que o governo seria? E se ele me enganar com truques? E se me
fizer escolher algo à força?” Os argumentos são legítimos, mas fiquem calmos,
existe solução.
A literatura da economia comportamental
apresenta conceitos básicos, porém seminais, de grande importância para o seu
desenvolvimento enquanto ciência séria. Um destes conceitos, fundamentais para
o assunto em questão é o que os especialistas chamam de nudge. Nas palavras de Richard Thaler e Cass Sustein, estudiosos de
E.C e precursores do conceito, “um nudge [...] é qualquer aspecto da
arquitetura de escolha que altera o comportamento das pessoas de um modo
previsível sem proibir quaisquer opções nem alterar significativamente seus
incentivos econômicos. Para que uma intervenção seja considerada um mero nudge,
deve ser fácil e barato evitá-la. Nudges não são imposições. Dispor as frutas
ao nível do olhar é considerado nudge. Proibir junk food, não.”
É neste sentido que um nudge, traduzido frequentemente como um
“empurrãozinho”, não representa uma forma de coerção, mas uma técnica de auxílio
e incentivo, que mantém a plena liberdade de escolha valendo-se do chamado “paternalismo
libertário”. As pessoas devem realmente se preocupar com a procedência e a
força do empurrão, mesmo porque a mente humana pode ser manipulada de diversas
formas, levando a induções tanto positivas quanto negativas. No entanto, como
já explicitado, o nudge foi concebido
para preservar a liberdade de ação das pessoas e o paternalismo libertário (ou
paternalismo leve) é a expressão cabal de que é possível orientar sem coagir.
Para isso, Sustein utiliza o exemplo do GPS: ele está ali para te guiar, mas
caso queira dar uma volta maior, vá em frente, você é livre para escolher.
Assim como o exemplo do GPS, os nudges podem ser encontrados nos mais
diversos cenários. Quem nunca teve sua atenção roubada pelas etiquetas de
economia de energia dos produtos de linha branca nas lojas de eletrodomésticos?
Ou então, se sentiu induzido a comprar um produto ou executar uma ação porque
“nove a cada dez pessoas” o fazem? Um tipo muito comum de nudge é o chamado default (padrão).
Ele atua em contextos no qual uma opção pré-estabelecida é acionada caso o
agente (aquele que faz a escolha) não realize nenhuma intervenção - você
certamente já foi pego por um desses ao escolher a opção “recomendada” na
instalação de um programa em seu computador. Outra possibilidade nesta área é
quanto ao uso de framings (enquadramentos),
uma estratégia voltada para rastrear e mensurar a exposição das pessoas a
perdas ou ganhos e utilizá-la para formular enunciados de escolha - se você é
preocupado com a saúde, certamente ficará mais sensibilizado em comprar uma
carne que exponha “95% sem gordura” do que uma “5% de gordura”. São infinitos
os exemplos e descobertas que fazemos neste assunto, ao perceber que nosso
dia-a-dia está cercado por estes “empurrõezinhos”.
Agora, munidos do entendimento do nudging, para o leitor atento já deve parecer impossível falar em políticas
públicas e E.C sem tocar no assunto; mas provavelmente ainda existam dúvidas
quanto à sua aplicabilidade. A possibilidade de diferenciar e manipular os
comportamentos diante da diversidade de alternativas e enunciados é fruto da
existência de um contexto no qual as escolhas são feitas, sendo a
responsabilidade pela organização deste contexto, atribuída à figura que os
estudiosos chamam de “arquiteto de escolhas”. É neste ponto, que o formulador
de políticas públicas, valendo-se das
habilidades de um arquiteto de escolhas, pode utilizá-las para, por exemplo,
alterar a pergunta dos formulários de doação de órgãos aumentando
exponencialmente as taxas de doadores em seu país (5) ou por outro lado,
estimular a redução do consumo de energia informando, através das contas, o
gasto médio de seus vizinhos (6). Utilizando estas novas ferramentas de forma
generalizada, a economia comportamental poderia ser uma professora muito mais
didática que as convencionais e o governo um aluno muito mais interessado em
aprender.
Apesar de vários países já utilizarem as
ciências comportamentais na formulação de suas políticas, o Brasil ainda está
dando seus primeiros passos nesta questão. Flávia Ávila e Fernando Meneguin,
estudiosos brasileiros e grandes difusores da E.C no país, apontam para
utilização das opções default
(padrão) na medida provisória
676/2015 que inscreve automaticamente o funcionário público no programa
complementar de previdência. Assegurando os pilares do nudge, a política respeita ainda sim, a liberdade do trabalhador de
- a qualquer instante - reclinar ao benefício. Outra notável política
brasileira é a de bandeiras tarifárias (7) criada em 2015 com o objetivo de
sinalizar ao consumidor os custos de geração de energia elétrica no país. Funcionando
como um semáforo de trânsito, as bandeiras visam afetar o comportamento geral -
ao invés de mostrar somente a cobrança extra pela utilização de energia -
através de um “empurrãozinho” na atitude de economizar. O grande problema
reside, entretanto, na execução do programa: a informação sobre as bandeiras não
possui destaque na conta de energia e a divulgação e reafirmação da política
deixa bastante a desejar.
A conclusão deste longo exercício aponta
para o fato de que a economia comportamental pode ser bastante útil para
melhorar a relação entre Estado e sociedade e, consequente, promover avanços na
qualidade da gestão pública. Nas formalizações de Charter, o governo, dotado
destas habilidades, pode tornar-se mais sensível às demandas, mais empoderador
e ergonômico. Assim, apesar de gargalos e desafios (8), comuns para todas as
ciências, é possível destacar que dentro de condições saudáveis o estudo da E.C
e sua aplicação atentam para mais vantagens que empecilhos.
Por fim, tenho a dizer que se aprendi o
que era economia através do vídeo do cortador de grama, certamente existem muitas
outras percepções capazes de melhorar nossas vidas, amadurecer nossas ideias;
maneiras simples e pouco custosas de melhorar o bem-estar geral. Mergulhar na
ciência comportamental é, com certeza, uma delas. O
desfecho grosseiro, porém oportuno que posso apresentar é que, o dono do
cortador pode ser comparado ao policy
maker, a estaca e a corda às ferramentas para manipulação do contexto e o nudge representa, literamente, o
empurrão dado ao cortador de grama. Em tempos de reprodução em massa, a
criatividade é a alavanca perdida, à qual os cientistas comportamentais podem
ajudar a recuperar.
Aos economistas e colegas de curso,
espero não ter causado nenhum constrangimento acerca dos méritos da profissão.
Sei o quanto nossa ciência e o seu estudo acadêmico está sujeito a crises de
amor e ódio, a momentos de euforia e angústia, entre as matemáticas
incompreendidas e leituras intermináveis. Bom, infelizmente no momento não
posso fazer nada para reverter minha posição, a função do economista é
economizar e certamente não há mais tempo ou fôlego para voltar atrás. Agora,
devo ir ao mercado comprar uma estaca e cordas, “alguém” precisa cortar a grama
do meu quintal.
Notas:
(2)
Os dados podem ser conferidos aqui https://data.oecd.org/gga/general-government-spending.htm#indicator-chart
(7)
Bandeiras tarifárias: http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2015/01/entenda-o-sistema-de-bandeiras-tarifarias.html
(8)
Desafios para a economia comportamental http://www.nytimes.com/2015/09/27/opinion/sunday/the-curiouspoliticsofthenudge.html?_r=2&utm_content=buffer60a26&utm_medium=social&utm_source=facebook.com&utm_campaign=buffer
Referências Bibliográficas:
ÁVILA,
F. e BIANCHI, A. (Orgs.)(2015). Guia de Economia Comportamental e Experimental.
São Paulo. EconomiaComportamental.org. Disponível em www.economiacomportamental.org.
Licença: Creative Commons Attribution CC-BY-NC – ND 4.0
SUSTEIN, C. R. (2014). Nudging: A very short guide.
Journal of Consumer Policy, 37(4), 583-588. THALER, R. (2015). Misbehaving: The
making of behavioral economics. New York, NY: W. W. Norton &
MENEGUIN,
F. B. ; AVILA, F. . A Economia Comportamenta aplicada a políticas públicas. In:
Flávia Ávila e Ana Maria Bianchi. (Org.). Guia de Economia Comportamental e
Experimental. 1ed.São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015, v. 1, p.
209-219.
FROYEN, R. T. - Macroeconomia , 10ª.edição, Editora Saraiva,
2008.
STOICOV, C.
Economia comportamental nas políticas públicas. Disponível em <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/12435/Economia%20Comportamental%20nas%20PP%20-%20Carla%20Stoicov%2020141103%20(v1.0).pdf?sequence=1> Acesso em 27
de março de 2016.
Excelente contextualização Lauro. Parabéns !
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