A mais pura "irracionalidade" sobre a desonestidade

Lucas Adriano Silva ,
Estudante de Ciências Econômicas pela 
Universidade Federal de Viçosa  
membro da Liga Acadêmica Newton Paulo



Dan Ariely é professor de Psicologia e Economia Comportamental na Universidade de Duke (Carolina do Norte), tendo sido o autor de livros como “Previsivelmente Irracional” e “A mais Pura Verdade sobre a Desonestidade”, além de uma gama de artigos científicos publicados em periódicos nos EUA.
Em “A Mais Pura Verdade sobre a Desonestidade”, por meio de inúmeros experimentos práticos, Ariely elabora argumentos que corroboram a influência do comportamento irracional em atos ditos como desonestos. Tal ideia acaba se chocando com o establishment exercido pelo Modelo Simples de Crime Racional (MOSCR), modelo no qual a desonestidade teria sua origem numa simples avaliação entre benefícios e perdas, desconsiderando aspectos morais. Essa ideia de trapaça, ocorrendo apenas ao nível de custo-benefício, foi elaborada por Gary Becker em seu artigo “Crime and Punishment: An Economic Approach” (1968).
A vantagem obtida na realização de um ato desonesto, comparando-se com as chances de ser descoberto e punido após esse ato, representa o raciocínio utilizado na abordagem do MOSCR. Nele o indivíduo racional analisaria o componente ganho, o relacionando com os prováveis custos relativos a ser pego e castigado, de forma que nessa espécie de operação simples de subtração pautada no custo-benefício, sairia a decisão de cometer ou não determinada infração. 
Entretanto,segundo a abordagem de economia comportamental utilizada por Ariely, faltaria na análise de custo-benefício, a consideração de que as decisões poderiam se basear também na confiança e em emoções, dado que se as decisões fossem unilaterais no sentido de sempre caminharem para a racionalidade e ao interesse próprio, o número de roubos e trapaças seriam ainda maiores, pois nenhuma chance em potencial de se beneficiar com algum ato desonesto seria desperdiçada. A fim de comprovar prováveis falhas na explicação racional (falhas sim, mas não a sua absoluta invalidação) e de compreender a desonestidade de forma a considerar a complexidade do comportamento humano, o autor acaba utilizando experiências simples e práticas que elucidam questões como: a influência da utilização de códigos morais, distorções causadas por sinalizações externas e até mesmo certos limites que quando ultrapassados provocam a intensificação de comportamentos negativos.
Do contrário da ideia predominante e até mesmo fácil de se assimilar, de que pela racionalidade, o aumento do benefício causado por uma trapaça elevaria a intensidade dos atos de trapaça praticados, tem-se na realidade a ausência de qualquer aumento. Esse fato pode ser explicado a partir da dificuldade de se cometer um ato desonesto maior (mesmo havendo benefícios maiores), mantendo-se um bom senso de integridade com alguma margem de lucro advinda de uma trapaça “comedida”, ainda mais quando há o envolvimento de valores monetários. A falta de variação na trapaça também foi verificada durante a ocorrência de diferentes níveis de estabelecimento da impunidade, não havendo variação (aumento) nem mesmo em um contexto com maior possibilidade de se sair impune. Assim, do contrário da crença já enraizada,  a possibilidade de ser pego talvez não exerça tanto domínio na proporção dos atos desonestos, dando respaldo para  “o senso de nossa própria moralidade está interligado com a freqüência de trapaça com a qual nos sentimos confortáveis. Essencialmente, trapaceamos até o nível que nos permite manter nossa autoimagem como a de indivíduos razoavelmente honestos”.
É mostrado sobre a desonestidade, uma estrutura mais complexa do que poderia ser suposta pelo MOSCR, sendo enfatizado que  “a desonestidade não é meramente o resultado de se considerar seus custos e benefícios” . Devido a capacidade de flexibilidade cognitiva, a ideia de custo-benefício poderia ser em muito complementada pelo mecanismo exercido pela margem de manobra, pois é necessário compreender “o equilíbrio delicado entre os desejos contraditórios de manter a autoimagem positiva e de se beneficiar com a trapaça” . A margem de manobra serviria como um tipo de agente conciliatório, responsável por manter uma boa autoimagem, mesmo junto a ações de má índole. Esse é o caso do indivíduo que mesmo tendo a oportunidade, nunca roubaria o dinheiro do caixa de uma loja, mas que recorrentemente pega algumas canetas do escritório e sonega pequenas informações na hora de declarar o imposto de renda.
Com o objetivo de estreitar a margem de manobra, o que reduziria a “conciliação” entre a aceitação de atos de trapaça com a constituição de uma boa autopercepção moral, Ariely apresenta determinados mecanismos capazes de diminuir a desonestidade. O autor discorre sobre a questão dos códigos morais, capazes de reduzir a tendência para trapacear. Dentre esses lembretes morais, foi ilustrado o exemplo dos Dez Mandamentos, que exerceria efeito (reduziria a trapaça) até mesmo entre indivíduos que se autointitulavam como ateus. Outro exemplo de lembrete moral que surtiu bons efeitos, encurtando a margem de manobra e portanto reduzindo a desonestidade, foi a mudança do local da assinatura dos documentos, do final para  o início da folha. 
 É destacado por Ariely,  a relação de tensão presente entre o desejo e a razão, sendo verificado por ele a difícil resistência a ditas “tentações” quando o indivíduo está em uma situação de esgotamento. Considerando a necessidade hedônica presente nos indivíduos, sobre  a perspectiva utilitarista na qual “Por felicidade, entende-se o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, a dor e a privação de prazer” (STUART MILL). Na medida em que se resiste às tentações, resistindo assim ao prazer, tem-se uma cada vez maior possibilidade de se tornar susceptível a elas, como se a energia utilizada para a resistência fosse diminuindo. O autor faz uma observação quanto ao  fato das pessoas passarem em geral por muitas situações de trade off, o que poderia provocar uma grande redução no autocontrole. Desse modo Ariely acaba recomendando a precaução, ”a realidade é que é muito mais fácil evitar completamente a tentação do que superá-la” .
Além do esgotamento, que diminuiria o autocontrole do indivíduo e acabaria promovendo o alargamento de suas restrições morais, algo de grande importância a respeito da explicação sobre a desonestidade é a questão da sinalização externa. Em específico, a causada por produtos falsificados. Por meio de testes, Ariely observou que a utilização consciente de uma falsificação, acarretou numa maior possibilidade de se trapacear.  Ocorre a alteração da legitimidade da pessoa que usa o produto falsificado, tem de si própria, havendo  também uma alteração da percepção desse indivíduo acerca dos outros, revelado pela maior tendência de os considerá-los mais propensos a trapaça.
Apesar da ressalva a respeito da simplicidade do MOSCR, Ariely observa o “efeito “que se dane”” (p. 104), em experimentos onde o indivíduo depois de atingir o seu limite de desonestidade, acabaria trapaceando não mais em um nível ocasional, mas de uma forma mais intensa, ignorando qualquer preceito moral, mas apenas buscando o aproveitamento máximo dos benefícios da desonestidade, apresentando um comportamento condizente com a teoria racional. Assim, ”considerando o efeito “que se dane”, é possível que um ato inicial de trapaça possa aumentar seu nível geral de sinalização para si mesmo de desonestidade, aumentando a margem de manobra, o que daria origem a fraudes adicionais” (pg 108). Ariely não abre essa discussão, mas em relação ao sobrepujamento dessa espécie de cota limite para o controle da desonestidade, tida por “aceitável” e ocasional, que tem por conseqüência o comportamento desonesto máximo, há um caso onde a teoria do MOSCR poderia ser aplicada. Pois após ultrapassar o limite de desonestidade, o indivíduo se guiaria apenas pelo custo-benefício da trapaça. 
Dessa forma, Ariely acaba avaliando como uma conclusão pessimista a constatação de que muitos indivíduos, mesmo aqueles considerados como de boa índole, normalmente costumam cometer atos de trapaça. Essa conclusão acaba tendo um aspecto mais positivo diante a uma comparação com o MOSCR, pois mesmo sendo a realização de atos desonestos, de uma forma geral, algo corriqueiro para os indivíduos, tais atos são pequenos e não costumam ocorrer o tempo todo com base apenas no custo-benefício. Ressalva-se a importância de se evitar, o ato primário de trapaça, através de mecanismos simples e eficazes (a exemplo dos lembretes morais e da assinatura no início do documento), pois no agregado esse ato pode apresentar enormes proporções, além de representar uma oportunidade tentadora para o alargamento da margem de manobra.



Bibliografia

ARIELY, Dan. A Mais Pura Verdade sobre a Desonestidade. Rio de Janeiro: Campus / Elsevier, 2012.

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