OS VIESES COGNITIVOS E O POMBO ENXADRISTA


Beatriz de Almeida
Mestranda em Ciências Econômicas pela UFV


Foi ou não foi golpe? O aborto deveria ser legalizado? Os professores estão doutrinando as crianças nas escolas? E a ideologia de gênero? A atleta superou suas dificuldades por esforço próprio e incentivo da iniciativa privada ou por ter contado com políticas públicas de inclusão? É Presidente ou Presidenta?
Qual a última vez em que você se envolveu em uma discussão política? Caso não tenha se envolvido muito recentemente em uma, certamente presenciou ou observou pelas redes sociais discussões acaloradas. O fim dessas discussões, quase sempre, se dá com uma das partes bradando ofensas morais contra a outra e contra a senhora sua mãe.
Os chamados vieses cognitivos, estudados pela psicologia e economia comportamental, podem explicar um pouco do porquê costumamos atribuir adjetivos nada agradáveis a quem discorda de nós. Eles também explicam por que as pessoas podem defender ideias absurdas, por vezes mentiras, mesmo tendo acesso às informações que comprovam o quanto elas são absurdas e mentirosas.
A psicologia chama o comportamento de quem costuma concordar com o que é dito por pessoas de seu grupo e discordar dos que são vistos como oponentes, de viés do tribalismo. Esse viés é uma manifestação de nossas tendências tribais. O hormônio oxicitocina que é o responsável por nos ajudar a estreitar laços com as pessoas de nosso grupo, também é o responsável por termos medo, desdenhar e suspeitar de pessoas de fora dele. Dessa forma, nós superestimamos as opiniões de pessoas da nossa “tribo”.
Experimentos mostram que temos a tendência de considerar que as pessoas de outros grupos, que discordam do nosso, possuem más intenções. Por outro lado, tendemos a acreditar que quem nos beneficia de alguma forma, é bom. Por consequência, se somos parte de um grupo que é beneficiado por uma política governamental, tendemos a acreditar que aquele governo é benéfico para toda a sociedade. O que pode explicar, por exemplo, a posição contrária ao impeachment de artistas beneficiados pela Lei Rouanet no Brasil.
O maniqueísmo é o que predomina no debate ideológico influenciado pelo tribalismo. Esquerdistas consideram que suas causas são as mais importantes e capazes de salvar a sociedade, de modo que, se você é bom, então é de esquerda. Por outro lado, direitistas acreditam que suas causas são as mais importantes e nobres, e que seus ideais os tornam bons, enquanto que o outro lado do espectro político é mal-intencionado.
Nós gostamos de concordar com as pessoas que concordam conosco. Por isso, costumamos visitar apenas os sites que corroboram com nossas visões políticas e nos relacionamos com pessoas que, na maioria das vezes, possuem visões e gostos similares aos nossos. Os psicólogos comportamentais afirmam que essas preferências levam ao viés de confirmação, o ato inconsciente de referenciar apenas as perspectivas que se encaixam em nossas visões pré-existentes, enquanto ignoramos opiniões contrárias. Comportamento reforçado pelas redes sociais.
Outro viés importante é o chamado backfire effect, ou “efeito tiro pela culatra”. Ele faz com que, quando nossas convicções mais profundas são desafiadas por evidências contraditórias, nossas crenças se tornem ainda mais fortes. Para testá-lo, os cientistas Brendan Nyhan e Jason Reifler, da Universidade de Michigan e Universidade Estadual da Georgia, criaram falsos artigos de jornais sobre questões polêmicas da política norte-americana. Os artigos confirmavam alguns equívocos muito difundidos e, depois que a pessoa terminava de ler, lhe era entregue um outro artigo, dessa vez com as informações corretas. Um artigo dizia que os EUA encontraram armas de destruição em massa no Iraque e o segundo dizia que não encontraram, o que é verdade. As pessoas que eram contra a guerra ou que tinham inclinações liberais tendiam a discordar do primeiro artigo e aceitar o segundo. Os que apoiavam a guerra ou tinham inclinações conservadoras discordaram do segundo artigo. Eles diziam ainda estar mais certos de que realmente havia armas de destruição em massa no Iraque. Esse experimento foi repetido com outras questões polêmicas e os pesquisadores confirmaram que as correções, na verdade, faziam com que as pessoas tivessem suas crenças aprofundadas quando elas contradiziam de alguma maneira suas ideologias.
Vez ou outra ouvimos histórias como a da amiga da vizinha de uma conhecida que teve seis filhos para receber um bom dinheiro de benefícios sociais e viver confortavelmente sem trabalhar. E também histórias inventadas pela esquerda, que acabou por criar um novo tipo de literatura, as chamadas “fanfics de esquerda”, em que são inventados personagens caricatos que dizem coisas estereotipadas com objetivo de afirmar a suposta superioridade moral da ideologia.
Essas histórias dizem o que as pessoas querem ouvir. Elas confirmam suas crenças. Se acreditar que pessoas pobres estão se aproveitando de um parco benefício social para se reproduzirem mais e não trabalhar protege o que você acredita, você aceita isso como uma verdade. Você pode achar isso ridículo, mas acredita quando um blog divulga alguma pesquisa que diz comprovar os benefícios do chocolate ou do álcool, ou acredita piamente em um documentário sensacionalista que confirma suas visões. Michael Moore, Al Goore ou os Zeitgeist, todos têm suas verdades contestadas.
As discussões online seguem, na maioria das vezes, um padrão. Cada oponente lança mão de informações que sustentem suas opiniões disponíveis no mais profundo da internet até que uma das partes resolve atacar com argumentos ad hominem. A conclusão que se chega é que nunca se pode ganhar uma dessas discussões. Todos os links, gráficos, dados e citações que você usar para tentar persuadir o oponente só farão com que ele se apegue ainda mais em suas crenças. O tiro sairá pela culatra.
Agora que você conhece esses vieses a que estamos todos sujeitos, tente evitá-los para não ser o pombo enxadrista do debate: Aquele que defeca no tabuleiro, derruba todas as peças e sai voando cantando vitória.

Referências:

De Dreu, C. K., Greer, L. L., Handgraaf, M. J., Shalvi, S., Van Kleef, G. A., Baas, M., ... & Feith, S. W. (2010). The neuropeptide oxytocin regulates parochial altruism in intergroup conflict among humans. Science, 328(5984), 1408-1411.

Nyhan, B., & Reifler, J. (2010). When corrections fail: The persistence of political misperceptions. Political Behavior, 32(2), 303-330.

Skinner, B.F. (1990). Can Psychology be a Science of Mind? American Psychologist, 45, 1206-1210.


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