Armadilhas de pobreza comportamentais

Adauto Brasilino Rocha Junior
Mestrando UFV
Membro da LANP




Um dos conceitos mais interessantes na literatura recente sobre desenvolvimento econômico é o de “armadilhas de pobreza”. As armadilhas de pobreza podem ser definidas, de forma simplificada, como um conjunto de mecanismos de auto reforço pelos quais os países que começam pobres tendem a continuar pobres, ou seja, as forças geradas pela condição de pobreza atuam de modo a manter os indivíduos nessa mesma condição, funcionando como uma espécie de armadilha. 

Essa ideia surgiu a partir de evidências empíricas da persistência de baixo crescimento da renda per capta em algumas nações, ao longo do tempo, em comparação com nações inicialmente mais ricas. Segundo Kraay e McKenzie (2014), o conceito de uma armadilha da pobreza ao nível nacional está relacionado com fundamentos microeconômicos que defendem a existência das armadilhas da pobreza a nível familiar. Essa ideia tem motivado diversos estudos, e tem embasado projetos e políticas públicas visando o combate à pobreza.
Uma das categorias de armadilha de pobreza, cuja definição está diretamente relacionada aos estudos da economia comportamental, é a das armadilhas de pobreza comportamentais. Segundo Kraay e McKenzie (2012), a pobreza seria, nesse caso, retro-alimentada por causa da maneira como ela afeta a tomada de decisão. Shah, Mullainathan e Shafir (2012) fornecem uma potencial explicação para esse tipo de armadilha, em que a escassez faz com que os indivíduos em situação de pobreza dediquem mais esforço mental para satisfazer as necessidades diárias, deixando menos recursos de atenção para outros problemas, como por exemplo pensar em formas de empreender ou expandir pequenos negócios. Uma consequência, considerando essas teorias, é que os empresários pobres podem não ter autocontrole para reinvestir dinheiro em seus negócios, impedindo-os de fazer investimentos que lentamente lhes permitiriam crescer para sair da pobreza.
Embora o autocontrole seja prejudicado pela condição de pobreza, existem evidências de que o comportamento de indivíduos pobres pode sofrer um forte efeito do gênero dos empreendedores. Gana, Fafchamps, McKenzie, Quinn, e Woodruff (2014) encontraram resultados que mostram que a concessão de empréstimos em dinheiro em uma única parcela para homens empreendedores teve efeitos muito mais baixos sobre a rentabilidade do negócio do que o mesmo subsídio dado em espécie para mulheres donas de microempresas, com algumas evidências que sugerem que isso é impulsionado pela diferença de autocontrole entre mulheres e homens.
Considerando o que foi exposto, surge uma questão intrigante: dada a existência das armadilhas comportamentais de pobreza e o seu efeito sobre o autocontrole dos indivíduos, como o governo poderia ajudar a população a enfrentá-las? Nesse sentido, o trabalho de Schaner (2013) apresenta resultados que podem orientar possíveis caminhos. Um deles seria o incentivo à poupança. O autor encontra efeitos persistentes de incentivos de curto prazo para poupar, sobre o crescimento de negócios não-agrícolas entre famílias quenianas, o que é atribuído a ideia de que ocorre a criação de "contabilidades mentais" orientadas para o negócio, o que melhora a capacidade de tomada de decisão.
A experiência também pode compensar parte dos efeitos negativos da pobreza sobre o comportamento dos microempresários. Kremer, Lee, Robinson, e Rostopshova (2013) e Duflo, Kremer e Robinson (2011) fornecem exemplos de proprietários de pequenas empresas não adotando investimentos com retornos marginais elevados. No entanto, esses mesmos tipos de pequenas empresas parecem crescer ao longo do tempo numa economia em crescimento (de MEL, MCKENZIE e WOODRUFF, 2013), sugerindo que quaisquer restrições comportamentais sobre o crescimento das empresas não impedem os proprietários de responder ao longo do tempo à crescente demanda. No entanto, essa conclusão não teria efeito considerável em economias presas em armadilhas de pobreza a nível nacional, que são, justamente, aquelas que mais necessitam de intervenção.
Pode-se sintetizar o que foi apresentado, em duas conclusões relevantes para qualquer profissional ou pesquisador que se interesse pelo tema da pobreza. A primeira é que a hipótese da existência de armadilhas de pobreza comportamentais é coerente, e existem fortes evidências empíricas a seu favor. A segunda é que a existência dessas armadilhas implica que as ações de combate à pobreza devem ser orientadas não apenas ao aumento da renda dos indivíduos, mas também ao seu comportamento. A educação financeira seria, nesse caso, um instrumento indispensável ao combate à persistência da pobreza.
O ditado sobre “ensinar a pescar ao invés de dar o peixe” é bastante pertinente nesse caso, mas deve ser revisto. O melhor caminho para o combate da pobreza seria adotar as duas estratégias. Dar o peixe mitiga a atuação das forças da pobreza sobre o comportamento do indivíduo (e também de outros efeitos não discutidos no texto), enfraquecendo a armadilha existente. E ensinar a pescar cria oportunidades para que o indivíduo escape da armadilha já consolidada, sob a qual está aprisionado, muitas vezes por conta de um contexto histórico sobre o qual o pobre não teve opções de escolha.


Referencial Bibliográfico

de Mel, Suresh, David McKenzie, and Christopher Woodruff. 2013. “What Generates Growth in Microenterprises?  Experimental Evidence on Capital, Labor and Training.” http://economics .mit.edu/files/8666.

Duflo, Esther, Michael Kremer, and Jonathan Robinson. 2011. “Nudging Farmers to Use Fertilizer: Theory and Experimental Evidence from Kenya.” American Economic Review 101(6): 2350–90.

Fafchamps, Marcel, David McKenzie, Simon Quinn, and Christopher Woodruff. 2014. “Microenterprise Growth and the Fly-paper Effect: Evidence from a Randomized Experiment in Ghana.” Journal of Development Economics 106(C): 211–26.

Kraay, Aart, and David McKenzie. "Do poverty traps exist? Assessing the evidence." The Journal of Economic Perspectives28.3 (2014): 127-148.

Kremer, Michael, Jean Lee, Jonathan Robinson, and Olga Rostapshova. 2013. “The Return to Capital for Small Retailers in Kenya: Evidence from Inventories.” Unpublished paper, Harvard.

Shah, Anju, Sendhil Mullainathan, and Eldar Shafir. 2012. “Some Consequences of Having Too Little.” Science 338(6107): 682–85.

Schaner, Simone. 2013. “The Persistent Power of Behavior Change: Long-run Impacts of Temporary Savings Subsidies for the Poor.” http://www.dartmouth.edu/~sschaner/main_files /Schaner_LongRun.pdf.

Disponível em:

https://lanpeconomiacomportamental.home.blog/2019/01/27/armadilhas-de-pobreza-comportamentais/

Comentários

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