O Fetiche do Futebol
Lucas Adriano Silva ,
Estudante de Ciências Econômicas pela
Universidade Federal de Viçosa
membro da Liga Acadêmica Newton Paulo
Em
média quem ganha mais, um enxadrista ou um jogador de futebol? Em 2014 o melhor
e mais bem pago enxadrista do mundo, o norueguês Magnus Carlsen, ganhava cerca
de R$ 2,4 milhões por ano. Enquanto o argentino Lionel Messi, o melhor
futebolista daquele ano, faturava acima de R$ 100 milhões anuais. Até mesmo
futebolistas bem menos qualificados, a exemplo de Diego Tardelli, em 2013
ganhava anualmente cerca de R$ 4,2 milhões, quase o dobro do salário de
Carlsen, que tinha sido campeão mundial no mesmo ano.
A
explicação para a desigualdade de rendimentos entre enxadristas e futebolistas
pode ser encontrada no mercado. Mercado que de forma simplificada, é definido pela
interação entre oferta e demanda. A partir dessa interação, desconsiderando
aqui outros aspectos, como a interferência governamental, tem-se que uma
mercadoria detentora de maior demanda acaba possuindo um maior valor de mercado.
O futebol atrai uma quantidade muito maior de espectadores que o xadrez,
espectadores que vão além de torcedores, sendo formados por patrocinadores e
pela mídia de massa.
Devido
a essa somatória composta por grande apelo popular, vultuosos investimentos e um
maciço acompanhamento midiático, os valores do futebol contemporâneo vem
superando não apenas esportes menos populares como o xadrez, mas até mesmo os
seus próprios valores. Em 2016, o atacante argentino Gonçalo Higuain acertou
sua transferência para a Juventus por aproximadamente R$ 325 milhões, valor de
sua multa rescisória. A transferência de Higuain ainda não se configura como a
maior da história, ficando apenas em quarto lugar. A quarta colocação veio a
pouco tempo (estava na terceira), isso devido a outra negociação recente que
envolveu cifras astronômicas. O meia francês Paul Pogba, assumiu a posição de
futebolista mais caro da história, após ser negociado para o Manchester United
por R$ 429 milhões. No ano de 2015, o atacante Alexandre Pato, mesmo estando em
má fase valia cerca de doze vezes mais que o atacante Romário em 1995, com
Romário alcançando o auge na época, tendo acabado de ser eleito melhor do mundo
e ganhado uma Copa do Mundo. Romário recebia cerca de R$ 52,5 mil mensais em
1995, enquanto Pato faturou R$ 800 mil mensais em 2015. Os jogadores
brasileiros, mesmo após a uma vexatória derrota da seleção brasileira na Copa
de 2014, continuam muito valorizados. Valorizados pelo menos no aspecto
monetário, pois com raras exceções, quase não se vê brasileiros sendo
protagonistas em grandes clubes atualmente.
Os
valores distorcidos não param apenas nos futebolistas, extrapolando para
profissionais da comissão técnica e comentaristas de emissoras por efeito de
encadeamento. Assim o futebol se inflacionou e como o dólar zimbabuano, acabou
culminando numa espécie de souvenir, em algo sem valor desprovido do seu objetivo
original. “O futebol, hoje, é algo bem diferente disso, pois não tem sentido,
significado, a não ser o da consciência coisificada” (Viana, 2010). Para o
futebolista, o futebol deixou de ser uma expressão artística e cultural,
tornando-se única e exclusivamente em atividade muitíssimo bem remunerada. Essa
diferença de postura pode ser refletida dentro do jogo, que passou cada vez
mais voltado para a vitória a qualquer custo, não havendo mais o jogo pelo jogo,
valorizando-se mais a busca por resultados positivos (vitórias) do que a beleza
do esporte. “O resultado é um elemento
fundamental da competição social capitalista, mas é ao mesmo tempo uma negação
do que haveria de humano no futebol” (Viana, 2010).
O
futebol atua como se fosse um ídolo, onde seus torcedores prestam verdadeiros
cultos, num fetiche que tende a levar cada vez mais ao inchamento monetário dos
salários de seus profissionais mesmo em um espetáculo vazio de conteúdo. Ídolo
devido ao seu poder válvula de escape, como Viana (2010) destaca que no Brasil
o futebol tornou-se uma competição social ligada aos indivíduos provenientes de
classes menos privilegiadas e do sexo masculino, ligado até mesmo a grupos
criminosos que utilizam o esporte como bandeira para a delinquência. O culto
vem na forma de compra de ingressos e de qualquer souvenir que estampe a marca
de algum clube ou de um jogador. Desse modo o futebol tornou-se um fetiche, uma
ilusão atrativa sustentadora de salários distorcidos no mercado que se elevam
exponencialmente sem haver limites.
Referências:
VIANA, Nildo. Notas
sobre o significado político do futebol. Revista Espaço Acadêmico, Maringá,
n. 111, p. 9-17, 2010.
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