A Constituição como compromisso prévio
As ciências sociais
aplicadas se rendem cada vez mais à perspectiva de que o ser humano não é
plenamente racional. Nesta perspectiva, estudos de como a sociedade se organiza
e age devem levar em consideração que o comportamento humano está sujeito às
influencias cognitivas, sociais, ideológicas e emocionais não previstos nas
teorias tradicionais.
Na
interação entre Estado e Sociedade – em especial no desenho de políticas
públicas -, o reconhecimento de que o comportamento humano sofre influências
externas, levou a economia comportamental à ideia de nudge (empurrão): abordagem que preserva a liberdade de escolha,
mas que influencia a tomada de decisão do indivíduo.
Sunstein[ii]
exemplifica as aplicações de nudge: (1) regra default, como a inscrição
automática em programas de previdência; (2) simplificação de formulários; (3)
uso de normas sociais para influenciar comportamentos; (4) aumento da
facilidade e conveniência da escolha; (5) divulgação de informações que embasam
a decisão; (6) divulgação de alertas de risco, a exemplo do que ocorre nas
embalagens de cigarro; (7) compromisso prévio de realização de uma determinada
conduta; (8) lembretes de que determinada ação ainda é possível de ser realizada,
como a vacinação; (9) evocação de intenções, por exemplo: “você pretende se
vacinar?”; e (10) apresentação de informações sobre escolhas passadas. Dentre
estes exemplos uma questão que importa tanto à economia comportamental quanto
ao direito: a constituição pode ser entendida como um nudge de compromisso
prévio para agentes públicos?
Correndo
o risco da simplificação e analisando apenas a relação entre as normas
constitucionais e a tomada de decisão dos agentes públicos, pode-se afirmar que
a constituição estabelece: (a) estrutura para a máquina estatal contrabalancear
a paixão ideológica; e (b) dificuldade elevada (em comparação com outras formas
legislativas) na modificação do texto constitucional[iii]
de forma a manter a estrutura de compromisso prévio.
(a)
As regras constitucionais, previstas em momento prévio, se prestam a evitar
que, durante momentos de crise a tomada de decisão dos agentes públicos seja
realizada com forte influência de paixão ideológica e/ou de inconsistência
temporal. Quanto a paixão, pode-se dizer que a constituição conta com uma
ideologia constitucionalmente adotada[iv]
capaz de ponderar, entre as diversas justificativas, a razão constitucional a
ser acolhida[v]. Assim,
as regras (compromisso prévio constitucional) evitariam que os agentes públicos
tomassem decisões equivocadas no futuro e garantiriam uma previsibilidade
econômica, política e social sem se valer apenas das decisões imediatistas.
(b)
A mudança das normas constitucionais é dificultada pela necessidade de aprovação
de emenda constitucionais que, apesar de terem a condição de suprimir, alterar
ou incluir normas constitucionais não podem, em alguns casos, promover qualquer
alteração. Para que a Proposta de Emenda Constitucional seja aprovada é preciso
aprovação de 3/5 da totalidade dos membros em dois turnos de votação nas duas
casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Assim,
para a aprovação de qualquer modificação na constituição são necessários os
votos favoráveis de 308 deputados e 49 senadores. Em comparação, a lei
ordinária precisa de maioria simples do número de presentes e a lei
complementar precisa de maioria absoluta (41 votos favoráveis de 81 senadores e
257 votos favoráveis de 513 deputados). Apesar da possibilidade de modificação
constitucional, há um compromisso prévio mais forte presente no texto
constitucional: determinados artigos não podem sofrer qualquer alteração, são
as cláusulas pétreas, previstas no
artigo 60§4º da constituição: forma federativa de Estado; voto direto, secreto,
universal e periódico; separação dos poderes e; os direitos e garantias
individuais[vi].
Assim,
embora a constituição possa ser entendida como um compromisso prévio, a recente
crise política e as consequentes violações da constituição indicam que será
necessário estabelecer nudges mais eficientes para que o comportamento humano
do agente público esteja menos influenciado por questões cognitivas, sociais,
ideológicas, econômicas, políticas e emocionais e mais de acordo com o pacto
constitucional previamente firmado.
[i] Professor de Direito da
Universidade Federal de Viçosa-MG; doutorando em direito público pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; bolsista CAPES. E-mail:
davilelis@ufv.br
[ii] SUNSTEIN, Cass R. Nudging: um
guia bem breve; ÁVILA, Flávia; BIANCHI, Ana Maria. Guia de Economia Comportamental e experimental. São Paulo:
economiacomportamental.org. 2015.
[iii] ELSTER, Jon. Ulisses Liberto: estudos sobre
racionalidade, pré-compromisso e restrições. São Paulo: UNESP. 2009, p.154.
[iv] SOUZA, Washington Peluso Albino
de. Teoria da Constituição Econômica.
Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
[v] LELIS, Davi Augusto Santana de;
COSTA, Lorena Vieira; Julgamento moral, economia e políticas públicas. Revista Jurídica da Presidência.
Brasília, v.18 n.114. Fev/Maio 2016.
[vi] O Supremo Tribunal Federal
considera que o artigo 16 (anterioridade eleitoral) é também uma cláusula
pétrea.
Comentários
Postar um comentário