Bem-estar social e Ciências Comportamentais – Menores custos e maiores resultados
Letícia Pereira
Estudante de Economia da UFV
Membro da LANP
É possível afirmar que desde a Constituição de 1988, com o amadurecimento democrático, o Estado passou a ser mais questionado acerca do desempenho e da efetividade de suas ações. A exigência dos cidadãos para um uso mais adequado dos recursos públicos e a busca pela eficiência nas atividades fazem parte dos anseios atuais da população brasileira. Os direitos constitucionais são assegurados muitas vezes por políticas públicas, ou seja, conjuntos de programas e decisões tomadas pelos governos com participação - direta ou não - de entres públicos e privados para determinado segmento social, cultural, étnico ou econômico. Dessa forma, tais políticas são implementadas visando alcançar o bem-estar da sociedade, mas, será que são eficazes?
Além da análise financeira, da distribuição dos recursos públicos, é essencial entender que qualquer desenho de política pública eficiente traz consigo a compreensão de como tomamos nossas decisões e o que nos influencia, ou seja, a importância dos insights das ciências comportamentais. Sendo assim, uma compreensão maior do papel de vieses, limitações cognitivas e motivações sociais no comportamento humano podem contribuir para que boas decisões sejam mais fáceis e automáticas e com que as más sejam mais difíceis, como mesmo aborda Patrícia Fonseca, em seu texto “Saúde Comportamental – Quando o barato e o eficiente se encontram na saúde”.
Trazendo a análise para as políticas públicas em saúde, a noção de que a tomada de decisão humana é menos racional e mais propensa a ser influenciada por fatores aparentemente irrelevantes, provocou mudanças significativas no sistema de saúde da cidade de Nova Orleans, por exemplo. Em 2005, o furacão Katrina destruiu o Hospital de Caridade e os residentes foram direcionados para usar os centros de saúde da comunidade, mas muitos não fizeram a transição. Dez anos depois do ocorrido, quase metade dos 56 mil moradores que teriam atendimento médico gratuito nas clínicas comunitárias não iam regularmente. O Office of Performance and Accountability (OPA) da cidade procurou mudar isso com a aplicação de um nudge [i]
Oliver Wise, chefe do OPA, abordou o problema compreendendo o imediatismo das pessoas e um certo viés de projeção [ii]: “Você sabe que ir ao médico é bom para você, mas porque nós, como seres humanos, descontamos os benefícios futuros, estamos muito menos inclinados a procurar esse cuidado preventivo”. A partir de então, Nova Orleans experimentou um serviço de mensagens de texto para ver como pequenas variações em suas mensagens aumentariam o número de residentes que procurariam cuidados. Cerca de 21.000 residentes foram distribuídos, aleatoriamente, em três grupos no qual cada um deles receberiam uma mensagem de texto diferente.
A primeira mensagem apenas declarou o que o destinatário deveria fazer: “digite SIM para marcar uma consulta gratuita ao médico”. A segunda mensagem dizia: “Você foi selecionado para uma consulta médica gratuita, digite SIM para aceitá-la”. Já a terceira mensagem utilizou de uma estratégia pró-social, lembrando aos destinatários que suas escolhas podem afetar positivamente os outros: “Cuide-se para que você possa cuidar daqueles que você ama” antes de informar sobre o benefício gratuito. Cinco dias após o envio das mensagens de texto, a OPA analisou os dados e encontrou resultados surpreendentes. O segundo texto, que enfatizou que o destinatário foi selecionado, foi bem mais sucedido, aumentando o número de pessoas que marcaram consultas em 40% em comparação com a mensagem simples. Já o terceiro texto, levou a um menor número de destinatários a se inscrever para uma consulta.
Dessa forma, a cidade de Nova Orleans descobriu maneiras mais e menos efetivas para estimular o uso de um programa governamental. O fato de uma frase ter obtido resultados inferiores ao esperado, ressalta a importância das políticas serem devidamente testadas e avaliadas do ponto de vista comportamental antes de serem aplicadas em larga escala, a fim de alcançar sua devida efetividade. Por exemplo, caso a terceira mensagem fosse escolhida, muito mais pessoas poderiam continuar sem ir ao médico. Com isso, mostra-se clara a relevância do estudo das ciências comportamentais para contribuir com o bem-estar, e até para salvar vidas, com menor dispêndio financeiro e maior inovação e criatividade na hora de esboçar uma ação pública.
NOTAS
[i] Nudges apenas estimulam um comportamento. Não se prestam a bloquear ou excluir alternativas possíveis (Torrano, 2016).
[ii] No processo de projeção é comum imaginar que o futuro será semelhante ao presente (Muramatsu e Fonseca, 2008).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FONSECA, Patrícia. Saúde Comportamental – Quando o barato e o eficiente se encontram na área da saúde. Disponível em: <http://www.economiacomportamental.org/nacionais/saude-comportamental-quando-o-barato-e-o-eficiente-se-encontram-na-area-da-saude/>. Acesso em: 28 set. 2017.
BIANCHI, Ana Maria. Aplicações da EC na área da saúde. Disponível em: <http://www.economiacomportamental.org/nacionais/aplicacoes-da-ec-na-area-da-saude/>. Acesso em: 28 set. 2017.
Behavioral science is quietly revolutionizing city governments. Disponível em: <https://medium.com/@BloombergCities/behavioral-science-is-quietly-revolutionizing-city-governments-74615a0ec2f>. Acesso em: 01 out. 2017.
TORRANO, Bruno. “Nudge”. Acredite: você REALMENTE deveria saber o que essa palavra significa. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/nudge-acredite-voce-realmente-deveria-saber-o-que-essa-palavra-significa-por-bruno-torrano/>. Acesso em: 01 out. 2017.
ANDRADE, Danilo. Política Públicas: o que são e para que existem. Disponível em: <http://www.politize.com.br/politicas-publicas-o-que-sao/>. Acesso em: 30 set. 2017.
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