Trânsito, transporte público e atrasos: análise de problemas de mobilidade urbana sob uma nova perspectiva




Victor Barcelos Ferreira
Acadêmico da Universidade Federal de Viçosa

Quanto tempo você gasta diariamente se deslocando em sua cidade? Como você se sente ao passar por uma experiência de dispender horas no trânsito? Estou seguro em afirmar que você preferiria passar por uma experiência dessa no seu carro próprio à dividir essa experiência com outros companheiros em um ônibus abarrotado, certo?

Em uma sociedade onde ter tempo é fundamental para a qualidade de vida, passar horas do seu dia se deslocando daqui para acolá não é nada gratificante. Prova disso é que na maior cidade do país, a satisfação dos paulistanos com a mobilidade urbana tem uma média de 4,1 de um total de 10, segundo pesquisa realizada pela IRBEM, em 2014.

Esse fenômeno não se restringe apenas à São Paulo. Segundo relatório do IBOPE em 2015, 24% da população - acima de 16 anos - gasta mais de uma hora diária se deslocando para atividades rotineiras, como escola e trabalho. Nesta mesma pesquisa, avaliou-se que 1/4 dos entrevistados utilizam o ônibus para tais atividades, sendo que 32% desse contingente avaliou o transporte público como ruim ou péssimo.

Em outra perspectiva, na última década observou-se um aumento vertiginoso de emplacamentos de novos veículos. Com uma miscelânea de políticas creditíceas e fiscais - redução de impostos como IPI - de 2006 à 2012 houve um aumento de 97% de aquisições anuais - segundo dados da Fenabrave. Mas qual é a relação destes fatos: o aumento da venda de veículos e a insatisfação com o transporte público e o trânsito?


Em um raciocínio bem simplificado podemos inferir que*:
Se um indivíduo está insatisfeito com o transporte público e tem condições econômicas de adquirir um veículo próprio, muito provavelmente, ele o fará;
Se um local já enfrenta problemas de mobilidade urbana, um aporte de veículos tende a agravar o trânsito deste determinado local;
Se um contingente maior de pessoas começa a adotar o veículo próprio como meio de transporte principal, há menor demanda pelos serviços de transporte público. Por sua vez, haverá menor arrecadação deste setor, e como consequência, menor investimento na qualidade do serviço.

Estaríamos diante de um quadro de tragédia dos comuns**? Os agentes econômicos estariam sendo irracionais a tal ponto que estaríamos nos encaminhando para um colapso urbano?

Há muitas lacunas para se explorar nesse intrigante campo. No artigo "Car stickiness: Heuristics and biases in travel choice", os autores italianos chegam a conclusão que a escolha pela utilização do carro é contraditória ao comportamento racional. Defenderei aqui um ponto de vista contrário fazendo uso da teoria neoinstitucionalista de Douglas North.

Para tal, faz-se necessário levantar pressupostos estabelecidos por exemplo por Durkheim (1912), sob os quais o autor estabelece que a organização social requer que as atividades humanas obedeçam uma disposição temporal. Em complemento, Zerubavel (1981) aponta que as atividades humanas estabelecem padrões de organização, com definições de horários, duração e frequência, para que seja possível o planejamento de um cronograma e o real cumprimento destas atividades.

Isto posto, vamos ligar os pontos. A segunda maior razão para a não utilização do transporte público, segundo a pesquisa do IBOPE, é de que os veículos são lentos ou atrasam, ao passo que 15% da população entrevistada defende que deve haver maior pontualidade.

Assim sendo, a falta de cumprimento dos horários estabelecidos nos itinerários do transporte público promove uma incerteza no seu usuário, de forma que este indivíduo irá incorporá-la como um custo de se utilizar esse tipo de serviço. Obviamente, esta mensuração não ocorrerá, em tese, de maneira formal, mas mentalmente.

Em um exemplo simples: você precisa chegar pontualmente a uma reunião. Em um cenário sem incerteza, bastaria calcular o tempo médio de duração da viagem e conferir os horários da linha e optar por pegar o ônibus naquele determinado horário. No cenário com incerteza, você precisaria incorporar no seu cálculo um possível atraso do ônibus - seja pelo trânsito ou seja pelo humor do motorista. Isto lhe renderia algum tempo a menos no seu dia, uma vez que você não pode se atrasar para a reunião.

Dispender tempo sentado no ponto de ônibus é uma alocação ineficiente, na qual você poderia estar no clube com sua família ou no trabalho, aumentando seus rendimentos. Mais precisamente, Avineri (2004) estabelece que a maioria dos passageiros tendem a calcular o custo do seu tempo pela metade do valor que recebem por hora no trabalho. Somando daqui e dali, estes pequenos custos acabam onerando os usuários em um custo não-monetário (em uma lista de prós e contras, o status de ter um carro entraria como um destes haveres não-monetários).

Por fim, ressalto que estas observações não foram averiguadas cientificamente, e que não acredito que os fatores expostos sejam os motivos primordiais na tomada de decisão dos agentes, quanto à escolha do modelo de locomoção adotado rotineiramente. Todavia, espero propor uma reflexão, de olhar sob outra perspectiva problemas comuns que tendemos a analisar sob a ótica do senso comum. Esta prática não objetiva uma ruptura brusca nos sistemas sociais que convivemos, mas possibilita a eliminação de pequenas ineficiências que assolam o dia-a-dia dos brasileiros.



* Retirado do capítulo 5.6 do livro  Business Dynamycs - John D. Sterman
** Tragédia dos comuns é um termo utilizado quando indivíduos racionalizam a utilização de um recurso público levando em consideração apenas bem-estar individual e acabam culminando no seu esgotamento.




Lista de Siglas
Fenabrave - Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores
IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados
IRBEM - Indicadores de Referência do Bem-Estar do Município



Referências Bibliográficas

AVINERI, Erel. A cumulative prospect theory approach to passengers behavior modeling: waiting time paradox revisited. In: Intelligent Transportation Systems. Taylor & Francis Group, 2004. p. 195-204.

DURKHEIM, Emile. The Elementary Forms of the Religious Life [1912]. na, 1959.

INNOCENTI, Alessandro; LATTARULO, Patrizia; PAZIENZA, Maria Grazia. Car stickiness: Heuristics and biases in travel choice. Transport Policy, 2013, 25: 158-168.

NORTH, Douglass C. A transaction cost theory of politics. Journal of theoretical politics, 1990, 2.4: 355-367.

STERMAN, John D. John D. Business dynamics: systems thinking and modeling for a complex world. 2000.

ZERUBAVEL, Eviatar. Hidden rhythms. Schedules and Calendars in Social Life. Chicago, 1981.

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