A interface entre a Economia Comportamental e as Políticas Públicas: exemplos recentes aplicados ao Brasil
Parte I - (Crédito)

Lauro Marques Vicari,
membro da Liga Acadêmica Newton Paulo Bueno e
estudante do curso de Ciências Econômicas
da Universidade Federal de Viçosa


Os economistas comportamentais vêm empreendendo grandes esforços na missão de promover inovações institucionais que permitam facilitar a vida dos formuladores de políticas públicas. Aliando a criatividade à técnica gerencial, estas iniciativas estão tornando a gestão da máquina pública mais simples e barata, ampliando o alcance dos programas e ações governamentais e melhorando, consequentemente, o nível de bem-estar social.
No Brasil, apesar de tímidas, algumas destas ações vêm sendo incorporadas à agenda pública, orientando melhorias nas políticas de setores da economia e assuntos da sociedade. Nesta série de artigos serão listados alguns exemplos de como a economia comportamental tem auxiliado na temática das políticas públicas do país, acrescidos de breves e descompromissados comentários a respeito de sua funcionalidade e métodos.

CRÉDITO. Que os juros do cartão de crédito estão nas alturas todo mundo sabe. O que ninguém lembra mesmo é o real significado da palavra crédito. Diante deste esquecimento, um novo e pesado termo entra em cena: a INADIMPLÊNCIA. A grande verdade é que comprar todo mundo quer, mas na hora de pagar, muitos acabam tendo que entrar no vermelho. E se a maioria age desta forma, então certamente, uma pessoa financeiramente bem organizada, uma hora irá pagar pela tragédia. Os bancos e instituições de empréstimo elevarão os juros tanto quanto puderem para limitar a tomada de crédito e então, finalmente, a palavra voltará a fazer sentido. Ter crédito é ter confiabilidade, boa reputação, ser bom pagador, nada mais.
Foi talvez pensando desta forma que em 2011 o governo lançou o chamado Cadastro Positivo. Trata-se simplesmente de um sistema com a listagem de pessoas que realizam operações de crédito e são consideradas como ‘bons pagadores’. Este cadastro ajuda a orientar bancos e lojas na liberação de recursos e no fornecimento de melhores condições, com o objetivo de facilitar as comprar dos consumidores, através da oferta de menores taxas e maiores prazos de pagamento. Entretanto, apesar deste mecanismo ter colhido bons frutos em países como Estados Unidos, México e Chile, aqui os resultados deixaram muito a desejar, tendo o Cadastro atingido apenas 5 milhões de usuários.
A causa do insucesso brasileiro não está na forma como o projeto foi desenhado, mas sim nas alterações realizadas pelos parlamentares quando em sua tramitação. Em seu design original, o Cadastro Positivo contava com uma poderosa ferramenta criada pelos economistas comportamentais – a opção Default – que consiste basicamente em oferecer ao cliente ou usuário uma opção pré-selecionada que passará a vigorar caso este não realize nenhuma alteração. Neste caso, ao executar uma compra no cartão, por exemplo, um bom pagador já teria o seu nome automaticamente incluído no Cadastro e já estaria â mercê de receber melhores condições em sua próxima compra. Entretanto, no modelo que veio a prevalecer no texto final da lei n° 12.414/2011, o cliente só passaria a constar no sistema se manifestasse sua vontade.
Resumindo: na opção Default, você está dentro, mas pode sair se manifestar sua vontade (opt-out); já na opção convencional, você só entra se declarar sua intenção (opt-in). Cabe ainda questionar qual dos modelos é mais efetivo para os fins do Cadastro? É obvio que no primeiro, uma vez que permitirá potencializar o sistema e reverter a tragédia, fazendo com que as melhores condições concedidas a nível individual passem a beneficiar o todo, pressionando por uma queda nas taxas de juros e um aumento dos prazos de pagamento. No segundo e atual caso, seja por preguiça, pressa ou desinformação, o cliente tende a não ser incluído no cadastro, privando a coletividade dos ganhos que adviriam de sua escolha.
Mas como todo dia as esperanças se renovam, o mesmo não deixou de acontecer para os bons pagadores. Anunciado no final de 2016, o pacote econômico do novo governo resgatou a proposta original do Cadastro Positivo, substituindo o modelo autorizativo pela inclusão automática. Dentre os promissores benefícios está a redução da taxa de juros, a oferta de melhores condições ao consumidor e – o mais importante – a queda do superendividamento, que possibilita ainda, uma redução nos spreads bancários. A nós cabe observar, caso isso dê certo, talvez a palavra crédito possa voltar aos poucos para seu real significado e o sistema financeiro consiga varrer um pouco e aos poucos o assombroso fantasma da inadimplência. 

Referências:

CAMPOS, Eduardo. Medida para cadastro positivo é “retorno” à proposta original, de 2011. Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/4809019/medida-para-cadastro-positivo-e-%3Fretorno%3F-proposta-original-de-2011>. Acesso em 10 de janeiro de 2017.


PALÁCIO DO PLANALTO PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Adesão ao cadastro positivo será automática. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/noticias/2016/12/adesao-ao-cadastro-positivo-sera-automatica>. Acesso em 10 de janeiro de 2017. 

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