Ciclos políticos orçamentários e decisões individuais: um experimento de economia comportamental

Julyana Covre

Doutora em Economia Aplicada

Membro Lanp

Como as decisões individuais afetam a manutenção do oportunismo político-econômico? A troca dos políticos por pessoas “comuns” mitigaria oportunismo político-econômico?
Na minha tese busquei refletir sobre essas perguntas à luz da economia comportamental.
A Teoria dos Ciclos Políticos Orçamentários pressupõe que os administradores centrais  utilizem  instrumentos econômicos para  se manter no poder, de modo que as flutuações econômicas também ocorrem por questões políticas.
O modelo teórico de Rogoff(1990), o qual analisa como os políticos podem utilizar a provisão de bens públicos enquanto sinalizador de sua competência. Por sua vez, os eleitores podem se tornar políticos em algum momento, de modo que, qualquer eleitor é um potencial político. Enquanto o trabalho teórico de Rogoff(1990) foca a perspectiva do político, racional e maximizador de utilidade, a tese utilizou a concepção teórica proposta por Rogoff(1990), mas distanciou-se do mesmo ao analisar a visão do potencial político, dentro do contexto de racionalidade limitada.
No modelo teórico de Rogoff(1990) a manipulação dos bens públicos na visão econômica tem uma perspectiva positiva, dado que o eleitor consegue diferir as competências dos políticos. Contudo, a simplificação econômica não considera as questões morais envolvidas na manipulação da provisão dos bens públicos. Assim como os impactos econômicos de longo prazo no orçamento público decorrentes destas manipulações.
O comportamento do potencial político reflete o comportamento do político em atuação e vice versa.  Deste modo, os problemas decorrentes dos ciclos políticos devem ser tratados como um problema da sociedade, em que regras devem ser criadas para tentar inibir comportamentos oportunistas nas mais diversas áreas, mas ponderando-se como a construção das mesmas pode influenciar na sua efetividade.
Por sua vez, a criação de regras fiscais pode ser relacionada com a Motivation Crowding Theory, que estuda o papel dos incentivos e motivações pessoais nas decisões dos agentes econômicos.
Normas sociais baseadas em recompensas ou castigos, que seriam incentivos para agir de forma ``correta'', podem reforçar ou expulsar os valores reputacionais (o valor que o indivíduo dá para sua reputação) desta ação. Quando reforçam, são conhecidas como   crowding-in[1] e a norma social funciona. Quando expulsam, é caracterizando o efeito  crowding-out[2], e a população tende à explorar todas as oportunidades legais cabíveis.
O  trabalho utilizou o método de experimento de campo via on-line[3] e teve como modelo os experimentos do Lab in the Wild[4] para analisar como punições previstas em normas sociais podem causar desvios no comportamento dos indivíduos em situações em que eles   podem ser oportunistas quando se utilizam  de trapaça para se beneficiar. A escolha ponderou a vantagem da heterogeneidade da amostra, não se restringindo ao ambiente acadêmico, maior validade externa,  e pelo  teor do trabalho, o design do experimento foi pensado de forma a minimizar o risco ético e possíveis desconfortos morais e constrangimento dos participantes, escolhendo a menor interação possível entre o pesquisador e o respondente[5].
A  amostra foi captada via divulgação e compartilhamento do experimento no Facebook,  tendo participado  137 respondentes. Os resultados apontaram evidências da presença  dos efeitos crowding-in e crowding-out (em menor proporção) dos comportamentos pró-sociais. Foi encontrada também a presença do fator fudge, conceito desenvolvido por Ariely (2012), em que as pessoas  agem no limiar entre o correto e a desonestidade.
Os resultados do experimento apontam que a trapaça é algo intrínseco às motivações do respondente de ganhar o máximo possível. Desse modo, percebe-se que a racionalidade é do homo economicus para proveito próprio, mas limitada na visão de como as ações individuais impactam a sociedade em que o indivíduo está inserido. Diante dos resultados do experimento, é importante discutir o papel das normas na condição de inibidoras do oportunismo político-econômico. Assim como preconiza a Motivation Crowding Theory, a constituição de leis e normas pode fazer com que elas sejam traduzidas como controle moral e diminuam sua eficácia. A presença de fator fudge indica também que os indivíduos são motivados pela sua percepção de autoimagem e pela observação da punição.
A associação destes resultados  indica  que as motivações pessoais devem ser consideradas na elaboração das normas sociais. Deste modo, a abordagem da economia e do direito comportamental aponta como solução a identificação do comportamento não racional (viés do homo economicus), ou do interesse próprio para assim apresentar propostas de reforma legal. Nesse sentido, pelo  padrão de comportamento do experimento e dado que a existência da possibilidade de punição não se mostrou inibidor da escolha da ação trapaceira, sugerem-se estudos acerca da frequência das punições. No caso dos ciclos políticos, da eficiência do Estado em punir o oportunismo político-orçamentário.
Em relação à existência de Ciclos Políticos, ressalta-se que a assimetria de informações, como preconizado por Rogoff(1990), é   fator importante para a presença de oportunismo político-econômico, mas não pode ser considerada a única causa.
O experimento com pessoas ``comuns'', os potenciais políticos, aponta que o oportunismo não é exclusivo dos políticos, de modo que a percepção (grau de tolerância) do oportunismo pelo eleitor pode se tornar um fator decisivo na dinâmica dos ciclos políticos.


Referências:
ARIELY, D. A mais pura verdade sobre a desonestidade. Rio de Janeiro: Campus, 2012. 336p. ISBN 978-85-352-6189-9.
ROGOFF, K. Equilibrium political budget cycles. American Economic Review, American Economic Association, Nashville, Estados Unidos, v. 80, n.1, p.21-36,1990.



[1] O indivíduo vê as normas sociais como uma validação moral e os incentivos aumentam  os benefícios da ação.
[2] O indivíduo vê as normas sociais como um controle moral e os incentivos distorcem a avaliação da pessoa em relação aos custos e benefícios da ação.
[3] O jogo foi disponibilizado no domínio da Universidade Federal de Viçosa (http://www.dpi.ufv.br/~lelis/olimpiadas2016)

[4] É um site de experimentos elaborados e mantidos por professores das Universidades de Washington, Harvard e Michigan. Disponível em: http://www.labinthewild.org/index.php. 

[5] Este  trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa, sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética número 51157115.5.0000.5153.

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