O intervencionismo estatal 2.0: consequência dos insights da Economia Comportamental


Letícia Pereira
Membro da Liga Acadêmica Newton Paulo Bueno
Estudante de graduação em Economia da UFV


Levando em consideração que o foco de pesquisa da Economia Comportamental é o estudo da influência dos fatores emocionais e comportamentais que atuam nas decisões econômicas dos indivíduos, os quais nem sempre tendem a fazer escolhas racionais, irei analisar a importância dessa área e sua aplicação nas ações do Estado. Primeiramente, vou apresentar o conceito de viés estudado por Daniel Kahneman e posteriormente citarei três conceitos de extrema importância para o entendimento do porquê a utilização da Economia Comportamental nas políticas públicas é de grande significado e permite o alcance dos resultados almejados com menos custos do que as intervenções estatais tradicionais. Entretanto, veremos também que esse paternalismo, apesar de não obrigar e nem proibir o indivíduo a segui-lo, direciona a escolha, o que se torna um dilema se realmente essa aplicação é eficiente, como sugerido por Kahneman (2011: 412):
“Liberdade tem um custo, que é arcado por indivíduos que fazem más escolhas e por uma sociedade que se sente obrigada a ajudá-los. A decisão de proteger ou não os indivíduos contra seus erros coloca um dilema a economistas comportamentais”
No livro “Rápido e Devagar – duas formas de pensar “, Daniel Kahneman, analisa uma série de estudos sobre o funcionamento do processo decisório e explica os diversos tipos de heurísticas e vieses que nos condicionam diariamente. Numa de suas abordagens o autor estabelece dois sistemas de pensamento. O primeiro, o Sistema 1, atua de forma mais rápida e sem esforço, sendo responsável por originar nossas impressões e emoções. Em contrapartida, o Sistema 2, atua de uma forma mais devagar e demanda esforço cognitivo, sendo ativado em situações que requerem maior concentração. Contudo, considerando a lei do mínimo esforço, mesmo com a oportunidade de modificar a resposta intuitiva do Sistema 1, a exigência de um maior trabalho cognitivo faz com que “o preguiçoso Sistema 2 frequentemente siga o caminho do menor esforço e endosse uma resposta heurística, sem muito discernimento se é verdadeiramente apropriada” (KAHNEMAN, 2011: 99).
Desse modo, diante das decisões permeadas por vieses, Richard Thaler descreve três conceitos correlacionados que resumem um novo cenário de aplicação da economia comportamental: “nudge”, arquitetura de escolha e paternalismo libertário. O “nudge” nada mais é do que um “empurrãozinho” cujo intuito é influenciar a tomada de decisões induzindo o comportamento do indivíduo, mas sem proibir outras alternativas de escolha. Já a arquitetura de escolha coordena os “nudges” a fim de alcançar um propósito específico, exemplo disso é quando o vendedor posiciona em destaque os produtos que deseja esvaziar de seu estoque. Por fim, o paternalismo libertário tende a coordenar os “nudges” para que as pessoas tenham maiores chances de escolherem opções benéficas, ou seja, criam uma arquitetura de escolha. Um exemplo claro, é o procedimento colocado em prática no Brasil pela lei 9.434/97 o qual estabelecia que era preciso declarar não-doador de órgãos no registro de identidade, se isso fosse de vontade pessoal do indivíduo, pois caso contrário todos seriam considerados doadores. O projeto foi vetado posteriormente, no entanto, foi possível observarmos com essa política o intuito do Estado de atingir um bem-social, visto que era estabelecido uma opção padrão aos brasileiros: serem doadores de órgãos, mas sua retirada era também de fácil acesso.
Logo, podemos concluir que as políticas públicas demarcadas pelo paternalismo libertário, enfatiza-se os ganhos sociais e econômicos como justificativa de tais práticas. Segundo essa ideia, as pessoas não são conscientes sobre os vieses de suas escolhas, o que pode induzir decisões maléficas para elas e para evitar tal dano, o paternalismo libertário utiliza da arquitetura de escolhas para encaminhar as pessoas a melhores decisões. Como relatado no blog do Instituto Liberal por André Mellagi, psicólogo e doutorando em Psicologia Social, seria algo como: “você é livre para escolher, mas se não escolher o que sugiro irá arcar com as consequências”. Um bom exemplo dessa nova intervenção estatal está na matéria publicada por Fernando B. Meneguin, ao blog de Economia Comportamental, na qual o autor aborda o projeto de lei do Senado que visa incentivar a economia de energia elétrica nos domicílios brasileiros baseado na iniciativa desenvolvida pela empresa americana OPOWER. Essa empresa, valendo-se do comportamento de que as pessoas tendem a repetir o que os outros fazem, resolveu disponibilizar aos consumidores de energia elétrica uma comparação do seu consumo com o consumo de seus vizinhos e com os vizinhos considerados eficientes, dessa forma ao receberem a comparação de seu consumo, o indivíduo tende a ter um estímulo à economia. Abaixo está uma imagem do que passou a ser constado na conta de luz:

Dessa forma, o projeto de Lei do Senado nº 365, de 2016 (http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/127072) que obriga aos distribuidores de energia elétrica informar o consumo individual de forma comparativa disponibilizando a informação do consumo médio da região e o consumo mais eficiente da região, utiliza-se do mesmo artifício da empresa OPOWER. Esse “nudge” teve grande impacto no EUA, visto que as pessoas tenderam a ser mais conscientes sobre o seu consumo e começaram a atingir um objetivo que antes era ignorado. Por fim, essa experiência retrata como os gestores públicos devem estar atentos às possibilidades oferecidas pela Economia Comportamental, visto que esta pode contribuir para a eficiência das ações do Estado. Flávia Ávila, especialista e sócia da consultoria InBehavior Lab, afirma que: “Os estudos da Economia Comportamental movem o nosso olhar para detalhes antes desconsiderados e fornecem ferramentas poderosas para entender mais a fundo os consumidores”. Desse modo, é possível concluir que os incentivos do paternalismo libertário, se empregados de maneira a potencializar o bem-social, pode tornar-se uma versão de intervencionismo estatal 2.0, mais sutil e quase imperceptível.

Referências Bibliográficas:
MELLAGI, André; Economia comportamental, praxeologia e os desafios da livre escolha; Disponível em: <https://www.institutoliberal.org.br/blog/economia-comportamental-praxeologia-e-os-desafios-da-livre-escolha/>; Acesso em 17 dez. 2016
MENEGUIM, Fernando B.; Um exemplo de aplicação da Economia Comportamental no processo legislativo;  Disponível em: <http://www.economiacomportamental.org/nacionais/um-exemplo-de-aplicacao-da-economia-comportamental-no-processo-legislativo/>; Acesso em 17 dez. 2016
Economia comportamental é caminho para desvendar cabeça do consumidor; Disponível em: <http://www.segs.com.br/seguros/35578-economia-comportamental-e-caminho-para-desvendar-cabeca-do-consumidor.html> Acesso em 18 dez. 2016
KAHNEMAN, Daniel. (2011). Thinking, Fast and Slow. New York: Farrar, Straus and Giroux
Imagem referência: https://jewelmarygv.files.wordpress.com/2012/05/estado-y-economia.jpg

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